"Uma história em tempos de Covid-19"


Os gatos não usam máscara

Olá! O meu nome é Sid, sou um persa cinzento, com uns grandes bigodes e umas orelhas enormes. Logo que nasci, aprendi as necessidades básicas de um gato: comer, dormir, e trabalhar em novas invenções durante a noite, enquanto os humanos dormem. A minha mãe, a gata Molly, era médica no Hospital da nossa cidade. É uma gata persa, tal como eu, é muito carinhosa com todos os animais e humanos que nos rodeiam. Já o meu pai, o gato Apolo, é polícia e defende o nosso bairro enquanto os malfeitores andam à solta. É um gato grande e forte, ninguém arrisca a chegar-se perto dele, meigo com todos aqueles que precisam de si, mas bastante severo com os gatos que não cumprem a lei.
A minha vida sempre foi tranquila, chegava da rua de manhã e ia a correr para a cama da minha dona, a senhora Amélia. Ela dava-me os bons dias fazendo-me festinhas, e em seguida colocava uma boa dose de ração na minha tigela. Após comer, gostava de aproveitar o sol da manhã, espreguiçar-me na varanda e senti-lo tocar no meu pelo sedoso. Brincava com os meus ratinhos de plástico, que eram bastante diferentes dos que se apanhavam na rua, estes não corriam de mim, tinha de ser eu a empurrá-los para poder correr atrás deles. Os humanos não entendem que os gatos têm de caçar, e brinquedos de plástico não se mexem, como é suposto eu estar empolgado? Amava lavar o meu pelo, lavava-o umas 12 vezes por dia, e mesmo assim a Senhora Amélia insistia em fazer-me festinhas sem lavar as mãos primeiro. Será que não via a indignação no meu focinho? Como todos sabem, os gatos amam dormir o dia todo, estão sempre aninhados na sua ronha, mas sabem realmente porque isso acontece?
Assim que a noite caía os gatos escapuliam-se pelas janelas das casas, para ocuparem os seus postos de trabalho. Eu sendo um gato jovem ainda não tinha um emprego, porém saía de casa também, para me encontrar com os meus amigos, o Óscar um gato malhado, o Fred um gato preto, e a Sally uma gata bege. Eles eram os melhores amigos que eu podia ter. Juntos caçávamos ratos a sério, e brincávamos na terra. Num futuro próximo, seríamos nós a comandar a cidade, porém ainda não sabíamos que cargo iríamos ter. A Sally sonhava em ser enfermeira para poder ajudar todos os gatos doentes. O Óscar sonhava em ser cientista, dizia que queria inventar novos medicamentos e curas para novas doenças. O Fred queria seguir as pegadas do seu pai e ser jornalista, achava que era de extrema importância transmitir as novas notícias da cidade a todos os gatos. Quanto a mim, não sabia bem o que gostaria de ser no meu futuro, eu só queria brincar na terra e aproveitar os banhos de sol apanhados na varanda da Senhora Amélia.
As nossas vidas estavam a correr muito bem, eram sempre as mesmas rotinas, até que certo dia enquanto eu estava a tentar dormir a minha sesta da manhã no sofá, a Senhora Amélia ligou a televisão tão alto que perturbou o meu sono de beleza. Ela parecia preocupada como se uma catástrofe tivesse acontecido. O jornalista do canal de notícias falava de algo como uma doença, parecia de certa forma uma gripe, mas muito mais contagiosa. Os seus sintomas eram, febre, tosse, cansaço e falta de ar, a descrição típica de uma gripe, mas porquê tanto alarido?
Chegando a hora de recolher da minha humana, eu saí pela janela e fui direito ao posto da polícia falar com o meu pai.
- Olá pai, como estás? Ouviste as notícias? Parece que anda aí um novo vírus, um tal de Coronavírus. A mim pareceu-me apenas uma gripe, mas porque é que os humanos estão tão preocupados?
- Olá Sid, já não te via há muito tempo. Já ouvi, sim, o que anda por aí a circular, deve ser grave, os médicos e cientistas vão reunir-se esta noite para começarem a trabalhar numa nova cura para este bicharoco.
- Mas os sintomas são iguais a uma gripe, será isso mesmo necessário? Até eu já tive uma gripe e a Senhora Amélia conseguiu curar-me com pingos para os olhos e enormes comprimidos.
- Filho, nem todos os vírus são iguais, este é novo e ainda não sabemos muito sobre ele. Tal como os humanos e os gatos descobriram uma cura para os outros vírus, também teremos de descobrir para este.

Eu despedi-me e fui encontrar Óscar, Fred e Sally. Continuava a não entender porquê tanta preocupação. A mãe de Sally era médica no mesmo hospital do que a minha. Pensámos em ir encontrá-las, mas logo em seguida lembrei-me do que me foi dito pelo meu pai, “Os médicos e cientistas estarão reunidos esta noite”. Os meus amigos gatos também não entendiam o que se estava a passar e teriam de esperar para verem o que aconteceria.  
Nos dias seguintes, a Senhora Amélia não tirava os olhos da televisão, exceto quanto estava a trabalhar, digamos que era a melhor altura do dia, pois não tinha o barulho insuportável do aspirador ou das loiças a bater, e assim podia dormir à vontade. No canal de notícias o assunto do momento era Coronavírus, aparentemente, cada vez mais humanos estavam a ser infetados e a ficar em estado grave por causa deste novo vírus. Ele teve origem na China na cidade de Wuhan, e parecia ser mesmo muito contagioso.
Com o passar dos dias, os humanos e os gatos estavam cada vez mais preocupados, o vírus tinha-se espalhado pelo mundo havia mais de 3 mil infetados, até na nossa cidade já havia 2 senhores portadores deste vírus. Na noite em que estes dois homens foram diagnosticados com Covid-19, a nova doença do século, a minha mãe, a gata Molly, veio até à minha janela, e pediu que a seguisse. Segui-a por um beco escuro, até que chegamos a uma casa abandonada. Lá dentro estavam cerca de uns vinte gatos sentados numa mesa de reunião, Sally e Óscar também lá estavam com os focinhos levemente assustados. No topo da mesa estava o Primeiro Ministro dos gatos, o Sílvio, era um gato velho, bastante vivido e muito sábio. Eu e o Fred costumávamos brincar com ele, dizíamos que era tão velho que tinha sido um dos soldados da 1ª Guerra Mundial. E por falar em Fred, onde estava ele? Por que estávamos todos reunidos com o primeiro-ministro dos gatos? Eu estava bastante confuso. O gato Sílvio pediu que me sentasse junto dos outros gatos, e deram assim início à reunião. O primeiro-ministro, estava seriamente preocupado pois não sabia se os gatos podiam ou não contrair o novo vírus. Queria começar a trabalhar numa cura o mais depressa possível, e para isso tinha de recrutar os melhores médicos, enfermeiros e cientistas da cidade. Mas eu perguntava-me, o que estou aqui a fazer? Não sou médico, não sou enfermeiro, e muito menos cientista. Então eu interrompi e disse:
- Boa noite, senhor Sílvio, eu acho que houve algum engano, eu não sou o gato que vocês procuram, creio que haja outros que vos possam ajudar.
Sílvio levantou se com um sorriso bondoso e disse:
- Meu caro Sid, tu és mais do que pensas ser, tiraste notas incríveis na escola dos gatos, tu és um dos mais inteligentes presentes aqui hoje, se te escolhi para este posto é porque acho que o mereces e o farás bem.
Por momentos tentei não desmaiar, o primeiro-ministro a elogiar-me daquela maneira? E eu a pensar que não passava de um gato vaidoso que só queria saber do seu pelo brilhante. Eu agradeci com um sorriso, sentei-me novamente, e olhei para a minha mãe com olhos de empolgação, ela acenou que sim com a cabeça e sorriu.
A reunião prosseguiu e o plano do senhor Sílvio era começar a partir de amanhã a criar e a testar novas vacinas para combater este novo vírus. Eu iria trabalhar como médico junto da minha mãe e da mãe da Sally, a Sally trabalharia como enfermeira auxiliando-nos, e o Óscar estaria junto dos outros cientistas no laboratório a criar uma combinação que matasse este vírus. Os médicos enfermeiros e auxiliares de saúde deveriam ajudar os cientistas a entender como se gerava este vírus no corpo dos humanos e a perceber se era possível os gatos o contraírem.
E foi a partir desta noite que a vida de todos nós mudou. Humanos e gatos trabalhavam arduamente para tentar encontrar uma cura para a Covid-19. Todas as noites reuníamo-nos no hospital local para trabalhar arduamente e para ajudar todos à nossa volta. Descobrimos imensas coisas novas sobre o coronavírus, como por exemplo, o seu período de incubação de catorze dias, o facto de a melhor medida preventiva ser o uso de máscaras e o isolamento social, e que o vírus morria facilmente com sabonetes ou desinfetantes. Mas como iriam os gatos usar máscara, sabonete ou desinfetante? Descobrimos então que os gatos, sendo mamíferos também poderiam ser contaminados, porém não era muito comum, só um gatinho chamado Alfie na Bélgica tinha sido contaminado. 
Passado alguns dias os humanos foram todos colocados em quarentena, para que os médicos pudessem trabalhar livremente e não se formassem aglomerados nos hospitais. Eles não eram muito espertos, sempre que sentiam algum leve sintoma ia a correr para o hospital, um sítio repleto de coronavírus e outras doenças. A Senhora Amélia estava sempre a reclamar por estar em casa, já não podia ouvir o seu resmungo. Tentei várias vezes mostrar-lhe o que fazer para se entreter e tirar um melhor proveito da sua casa, mas ela insistia em estar sentada no sofá a ver as notícias. Mais tarde ou mais cedo aquela mulher ia enlouquecer de tantas notícias preocupantes. Ela parecia paranóica, trouxe montes de papel higiénico e desinfetante para casa, nessa noite até me reuni com os outros médicos para tentarmos entender o porquê de os humanos estarem a comprar tanto papel higiénico, mas não chegámos a conclusão nenhuma, sabe-se lá o que se passa naquelas cabecinhas. Com tantas idas ao supermercado para encher a despensa, a Senhora Amélia acabou por contrair o vírus também. Este era um vilão invisível, não sabíamos onde estava e como estava, podia estar em qualquer lugar e ao mínimo erro, já estamos infetados. A Amélita não era parte do grupo de risco, era uma senhora ainda que de meia idade, bastante saudável, então não teve de ficar no hospital a ser ventilada. A casa estava sempre a cheirar a desinfetante e ela não parava de tossir, sinceramente até sentia pena dela, então deitava-me juntos das suas pernas. Todas as noites eu regressava ao Hospital dos gatos com novas informações, tendo um humano contaminado em casa, era muito mais fácil acompanhar todo o processo. As noites no serviço eram caóticas, sempre a fazer testes e nenhum dava certo, os habitantes estavam cada vez mais em pânico, isto parecia não ter fim, em poucas semanas a nossa cidade já contava com mil infetados. Os trabalhadores da linha da frente estavam exaustos, este vírus estava a dar luta. Fred apresentava as notícias todas as noites e fazia chegar a informação a todos os gatos da cidade. A esperança já era pouca, mas nunca poderíamos desistir. Nós gatos que dominamos o mundo deixarmo-nos vencer por um vírus? Nunca, não podíamos deixar isso acontecer.
Certa noite quando já tinham tentado de tudo, e já nem gatos nem humanos tinham esperança de ver um futuro melhor, Óscar sai da janela aos prantos a dizer que tinha passado o seu dia a observar os humanos, e tinha concluído que cada vez que um gato ronronava perto de um humano este parecia ficar mais alegre e com menos problemas. Lembrou-se então do que tinha aprendido na escola dos gatos. Os gatos ronronam em vibrações de vinte e cinco a cento e cinquenta hertz, uma frequência que ajudaria na cura de várias doenças, porém os humanos teriam de ser expostos a dez horas dessa frequência, e nenhum gato no mundo conseguiria ronronar durante tanto tempo. Assim sendo, o Óscar achava que tinha descoberto uma possível cura para o Coronavírus. Convocou a presidente, a gata Pandora, o primeiro-ministro, o gato Sílvio, o ministro da saúde, o gato André, a secretária geral da saúde, a gata Dolly, e todos os médicos. Apresentou a sua ideia, que consistia em fazer uma gravação com a frequência do ronronar dos gatos, e expor todos os humanos a ela. Todos concordamos em começar a fazer testes. Como eu era o único gato que tinha o meu humano infetado, teria de ser eu a realizar o primeiro teste. Levei para casa um ratinho de brincar com um altifalante incorporado e deixei-o ligado durante toda a noite junto da Senhora Amélia, deitando me ao seu lado para observar a reação. Quando ela acordou parecia como nova, terá o Óscar conseguido mesmo uma cura? Nessa noite contei tudo ao conselho e eles prosseguiram para mais testes. Os gatos polícias, como o meu pai, instalaram mais altifalantes pela cidade, sem que os humanos percebessem. E adivinhem? Os humanos começaram a curar-se inexplicavelmente, eles acreditavam ser um milagre, mas o maior milagre é terem-nos nas suas vidas. No final de tudo, o conselho voltou-se a reunir e o 1º ministro agradeceu a todos o nosso grande esforço, dedicação e trabalho. Os humanos mais tarde também conseguiram uma cura idêntica à nossa e começaram a aplicá-la em todos os humanos que estavam infetados. E assim tudo voltou à normalidade, os humanos fechados em casa voltaram a sair à rua, os gatos voltaram a sua vida normal e tranquila, e tudo tinha mais cor, tudo era mais feliz.
Esta é a história de como mais uma vez os gatos voltaram a salvar o mundo secretamente, sem que ninguém descubra a sua sociedade secreta. E os humanos ainda acham que dominam o mundo…

Rita Militão, 10ºAno 
Curso Profissional Apoio à Infância.

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