Diário de Quarentena


25 de março                                                

            Hoje é o dia dos meus anos. Acordei, vesti-me e, pela primeira vez no meu aniversário, não tinha nada preparado. Até este dia senti-me de férias, férias em casa, um dos meus sonhos: ficar em casa apenas eu e as minhas séries, a falar com os meus amigos e a jogar com eles. Porém, neste dia não me senti de férias, senti-me presa, não posso ir ter com os meus amigos, nem com a minha família, namorado, não posso estar com ninguém que me é importante, exceto com os meus pais e os meus gatos. Posso fazer chamadas com eles, claro, mas nunca é o mesmo. Não sinto a mesma sensação de paz ao estar com eles. Revivi vezes e vezes sem conta o último dia de aulas. Nós tínhamos saído mais cedo das aulas, portanto decidimos em vez de irmos para casa, sentármo-nos na avenida da praia a olhar para o rio e a falar. Foi um momento ótimo. Ninguém sabia quando nos íamos voltar a ver, nem quando íamos voltar à escola, mas naquele momento a olhar para o rio e com os meus amigos desviei esses pensamentos maus e foquei-me no presente. De estarmos todos a rir e a pensar no que iria acontecer, por pouco não me emocionei. Que saudades desses momentos, saudades da hora de almoço a apanhar pokémons, saudades dos intervalos e das aulas até. Falei bastante com os meus amigos neste dia, e à noite os meus pais fizeram-me uma surpresa de porem a minha família ao telemóvel, tive uma vontade gigante de dar um abraço à minha prima e de ir brincar com ela, como tantas vezes me pedia, senti falta das refeições dos meus avós. E do que mais sinto saudades? Eu apenas tenho saudades de tudo.


27 de março
           
            Hoje cheguei ao ponto mais alto do aborrecimento. Quem me conhece sabe o quanto eu sou sedentária, sempre no sofá ou na cama a ver séries. Bem, hoje eu pensei que, como não tinha nada para fazer, mais valia fazer a vontade à minha mãe e ao meu corpo, levantar-me da cama, largar as séries e ir tratar de mim. Instalei a aplicação da nike e comecei a ver os treinos, ‘cardio’ não, não gosto de cardio, ‘pesos’ não tenho pesos em casa, portanto também não dá, ‘tonificar sem pesos’ vamos experimentar, pensei eu. Comecei a fazer e quando acabei tinha as pernas doridas do esforço, mas percebi que não tinha pensado nas saudades, na escola, em não poder sair, nem mesmo em estar com os meus amigos. Naquele momento a minha mente descansou, finalmente, ao fim de tanto tempo. Senti-me bem comigo quando acabei, finalmente tinha feito algo de produtivo, senti uma paz interior. Prometi a mim mesma que ia fazer isto de 2 em 2 dias, vamos ver se não falho. Depois de fazer este exercício e tomar banho, abri o google e vi que os casos de infetados continuam a aumentar, atirei o telemóvel para a cama e decidi ligar às pessoas que tanta falta me fazem. Liguei à minha avó. Nesse dia, estava cheia de saudades de falar com ela, das suas comidas, dos mimos que me dava.

 22 de abril

            Abri finalmente este documento outra vez, hoje sinto-me melhor, estive a ler o que tinha escrito há já quase um mês e emocionei-me a relembrar tudo o que se passou e tudo o que se está a passar. Hoje acordei e vim para as aulas, a Sofia tinha-me prometido ligar para falarmos um pouco e fazermos os trabalhos da escola, fazem-me bem estes momentos, a falar com ela, sinto muitas saudades de desabafar com ela e com o Cândido acerca de tudo o que me vem à mente. Sinto falta da Pires e de falar com ela, mandei-lhe mensagem agora, e lembrei-me dos dias em casa dela a comer as sobremesas da mãe dela e a rir. No outro dia, mandou-me uma foto duma… não vou mentir, senti saudades de ela refilar comigo por comer tanto.
Tive aulas à tarde, portanto, liguei o zoom e tentei prestar atenção, sinto mais dificuldade agora para me concentrar, tal como todos os outros não estou habituada a este método. Porém, gosto das aulas assíncronas, gosto de me organizar sozinha e ter tudo pronto a horas, deste modo tenho mais tempo para isso e para rever a matéria em que sentia mais dúvidas. Neste momento tenho o Miguel em chamada ao meu lado, ele adormeceu e agora, ao olhar para ele a dormir, cada vez sinto mais saudades, faço chamada com ele todos os dias, mas não é a mesma coisa. Nada é o mesmo. Sinto os meus pais mais saturados, provavelmente por estarem sempre em casa. Estamos todos, penso eu.
Falei com o Cândido há uns dias e desabafei, sinto saudades de fazer isso, mesmo nos momentos em que não o devia fazer, como nas aulas. Ele é uma das poucas pessoas em quem eu sei que posso confiar. Já somos amigos há uns anos, e sei que tudo o que lhe conto não sai da cabeça dele, prezo ter um amigo assim.
Hoje, na hora de almoço, aproveitei e fiz exercício. Ainda não falhei muito. No máximo, de 3 em 3 dias faço-o, limpa-me a mente. Cada vez mais preciso disso: duma mente limpa, continuo a ter saudades do toque, dos abraços e dos beijinhos, até dos carolos, das pessoas que antes eram o meu dia a dia e agora pertencem ao outro lado de um ecrã. No início deste ano letivo, nem imaginava o que aí vinha e as pessoas que iria conhecer. Eu estava a sofrer desde há mais de um ano, porque uma amizade que me era tudo se despedaçou. Se há um ano me dissessem que isto ira acontecer eu não teria acreditado. É verdade, muita coisa pode mudar num ano. Mas isso não importa, existem pessoas doentes a morrer lá fora, e eu só quero que isto acabe, eu vejo pessoas idosas a morrer nas notícias e só penso nos meus avós, só querem que eles fiquem seguros.
Por agora, só espero que isto acabe, para que o mundo volte a ter saúde. E para que os ecrãs, que me separam das pessoas de quem eu tanto gosto, desapareçam.

Alice - 10ºano

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