Invasão de um vírus
INTRODUÇÃO
Vou ser sincera com todos vocês. Trabalhar como fotógrafa é
fantástico…. O curso vai bem e adoro….
Também já consegui arranjar emprego e ter um ordenado. Já dá para
pagar as propinas do curso. E o dinheiro que devo à minha melhor amiga Marta.
Os meus pais estão longe. Eles estão sempre a mandar-me dinheiro.
Mas eu quero ser independente. Não que não goste deles, mas já fizeram tanto
por mim que acho que é tempo de eles descansarem e eu começar a trabalhar.
Tenho 22 anos. Está mais que na idade…
De manhã uma estudante e à tarde uma trabalhadora. Parece a
história de uma agente secreta…. Hahahhaha.
Enfim… Esta é a minha vida. Pelo menos era…. Só que eu não
esperava que as coisas fossem mudar.
CAPÍTULO 1
-Levanta-te, Marta!- gritava eu
Tinha a sorte de tê-la como melhor amiga, mas ela passava a noite
em festas e depois para acordar, ela tinha a sorte de me ter a mim. Somos
colegas de quarto. Foi assim que a nossa
amizade começou.
Só que ela está no curso para fotografar animais. Eu quero
fotografar um pouco de tudo. Pessoas, animais, paisagens, objetos… Ela quer ir
para a National Geographic. Eu ainda
não sei bem.
-Tou a ir. - resmungou ela.
-Tens de te despachar se queres apanhar os balneários vazios. A
menos que queiras tomar banho com metade da escola lá.
-OK, ok- disse ela, levantando-se.
Andamos pelo corredor dos quartos até ao andar de baixo para
avançar até aos balneários. Quando lá chegamos estava vazio.
-Vês? Tanta pressa para nada -queixou-se ela.
-Pois, mas daqui a nada está cheio.
Ela deitou-me a língua de fora e eu limitei-me a ignorá-la.
Depois de nos despacharmos, fomos para o bar e tomámos o nosso café.
-Sara, olha ali.
-O quê?
Ela virou a minha cara na direção que o seu dedo apontava.
Revirei os olhos…
-A sério…-disse eu
Rafael. Foi para quem ela me mandou olhar. Um rapaz insuportável.
E sei disso porque os meus pais e os dele são “amigos muito chegados”. Desde
que entrou na minha vida não fez mais nada se não chatear-me.
-Vá lá. Não podes negar que gostas dele.
-Gostar?! Ele irrita-me só de saber que ele existe.
-EAHH para que é esse exagero?
- Quem me dera que fosse.- disse, levantando-me- vamos para a
aula que já está na hora.
Ela seguiu-me. Ela tem 23 anos mas quando o assunto é rapaz
parece uma adolescente de 16 anos.
....
Senti o seu olhar durante a aula toda. Por amor de Deus. Ele
irrita-me. E depois que a Marta lhe foi dizer que eu gostava dele, ainda ficou
pior. Desculpei-a disso, fazendo-a prometer que ela parava com aquelas coisas.
Infelizmente ela fez isso durante um mês.
-Quero grupos de quatro-disse o professor de artes.
Juntei-me à Marta e à Lara. A Lara é uma amiga nossa que dorme no
quarto ao lado do nosso. A sua colega de quarto foi assassinada uma semana
antes de a escola começar. É uma pena. Pelo menos elas não se conheciam. Se se
conhecessem era pior.
Se isso me acontecesse com a Marta eu nem sei o que faria. Mesmo
que eu o diga poucas vezes, ela é importante para mim. Com a sua maneira e o
seu jeito.
Enfim. No final de a turma se dividir havia “alguém” que não
tinha grupo.
-É o destino - comentou logo a Marta
-CALA-TE!
-Estou a ver que ela continua com essas coisas de tu e do Rafael
virem a namorar-disse a Lara- Marta, deixa-a em paz. Mais tarde ou mais cedo
ela vai acabar por admitir isso a si mesma-riu-se a Lara
-Tu também?!-quase gritei.
Ele aproximou-se de nós. A
Marta sentou-se logo ao lado da Lara. Meu Deus. Ele sentou-se ao meu lado e
lançou-me aquele olhar frio e gelado.
-Muito bem. Visto que os grupos já estão formados, eu vou
indicar-vos o trabalho a fazer. Eu quero
que vocês tirem uma foto à vossa escolha. Uma para cada dois do grupo. Mas….- detesto quando o professor começa com
os seus “mas”-
devem ter em conta que um desses dois vai ter que pintar numa tela essa
fotografia.
-Professor, podemos pintar isso e só depois tirar a
foto?-perguntou o Rafael
-Claro.
Ele olhou para mim e sorriu. Revirei-lhe os olhos e olhei para a
Marta.
-Desculpa, eu vou ficar com a Lara.-disse ela encolhendo os
ombros.
Vi-as a entreolharam-se e
a rirem-se. É para isto que servem as amigas? O toque soou nos nossos ouvidos e
o professor disse:
-A segunda hora é toda vossa. Podem discutir o que querem fazer e
quem sabe começarem.
Saímos. Elas vieram ter comigo
-Boa sorte, amiga…-disseram em coro antes de se irem embora aos
risos.
Quando me virei, vi-o a ir não sei para onde.
-Onde é que vais?-perguntei correndo até ele.
-Onde for…
-Sabes que temos de ir fazer o trabalho, certo?
-Sei. E também já sei o que vou fotografar e pintar.
-Somos um par. Onde é que eu entro nesse teu plano?
-Na foto e na pintura.
-Vais ter de te explicar melhor.
-Para de fazer perguntas e vem comigo.
IRRITANTE! Estou capaz de matar aquelas duas! Vamos ver como é
que isto vai correr.
Não demorou muito para chegarmos a uma florista. Ele comprou uma
rosa vermelha.
-Tens lençóis brancos?
-Que raio de pergunta é essa?
-Tens ou não.
-Sim.
-Vamos para o teu quarto.
Apeteceu-me perguntar-lhe o que raio é que lhe estava a passar
pela cabeça. Mas já sabia que ele não me ia responder. Perguntasse o que eu
perguntasse. Só se ia queixar e mais nada.
Chegámos ao meu quarto. Dei-lhe o
lençol branco. Ele abriu a minha cama e arrancou-lhe os lençóis exceto o do
colchão.
-Agora despe-te e cobre-te com o
lençol branco que me deste.
Ele virou-se de costas. Retirei
todas as minhas roupas e envolvi-me no pano branco gigante…
-Já está.
Ele virou-se e ficou a observar-me.
-Agora deita-te na cama.
Engoli em seco e obedeci-lhe. Odeio. Mas ninguém sabe o porquê.
Bem vou deixá-lo bem claro aqui mesmo. Odeio-o pela maneira como o meu corpo
lhe reage e como lhe obedece. Pelo poder que ele tem sobre mim e pelo modo como
ele se aproveita disso.
-E agora-suspirei
-Deixa comigo.
Ele colocou-me na seguinte posição: de barriga para baixo, uma
perna dobrada, a outra esticada, um braço debaixo do peito e o outro dobrado a
agarrar a rosa, como se a estivesse a cheirar, com a cabeça deitada na almofada
e o cabelo espalhado nesta mesma.
-Fica assim que eu já volto.
Uns dez minutos depois talvez, ele voltou a entrar e trazia a
câmara, as tintas, a tela e os pincéis.
-Vamos começar.
-Vai demorar muito.
-Não sei ao certo. Porquê?
-É que eu tenho que ir trabalhar às 17h.
-São 10:30h. 5h e 30min para mim chega.
-Então e almoço? Não comes é?!
-Depois tratamos de comer-disse ele piscando-me o olho
Corei e calei-me. O tempo foi passando… A maneira como ele me
olhava e observava cada curva minha por baixo daquele lençol era como se
ele me desejasse…. Talvez elas até
tivessem razão….
-Estás um bocado atrasada no teu primeiro dia-disse a gerente do
café
-Desculpe. Estava a acabar um trabalho para o curso.
-Ok. Mas tens de te começar a gerir senão vais sempre chegar
atrasada.
-Não volta a acontecer. Prometo.
-OK. Agora vai atender os clientes.
Vesti o avental e atei o cabelo. Servi toda a gente. Entretanto
chegaram as minhas “amigas”.
-Então como correu o trabalho?- perguntou a Marta
-Bem…
-Deve ter mesmo corrido. O professor não parou de elogiar o vosso
trabalho.-comentou a Lara.
-A sério?
-Sim. Acho que até vai pendurar lá na vitrine do corredor
principal.-disse a Lara
-Ia…-disse a Marta-o Rafael não deixou.
-Porquê?!
-Ele disse que primeiro tinham de te perguntar devido à tua
“nudez”. E porque ele disse que te queria dá-lo como presente. E por falar
nele…-disse a Marta.
Corei quando ele entrou no café. Foi-se sentar numa das mesas.
Saí do balcão ignorando os comentários das minhas amigas e fui até à mesa dele.
-Vais desejar alguma coisa?
-Podes-me trazer um descafeinado.
-OK.
Fui buscá-lo. Por favor não sejas frio comigo. Se não fores
talvez te possa deixar de odiar e admitir que adoro o controlo que tens sobre
mim…
-Aqui está.- disse entregando-o e ficando ali especada.
-Não quero mais nada, obrigado.
OK. Ele não gosta mesmo de mim. Odeia-me e eu também o odeio.
-Sara?
Voltei-me para ele
-Sim?
-Quanto é?
-0.80 cêntimos…
Pensei que ele ia dizer qualquer coisa de jeito. Isso é o que dá
ter muitas esperanças.
À noite não conseguia dormir. Passei metade do tempo a pensar
nele. E quando finalmente admiti a mim mesma que gosto dele e que ia lutar por
ele, adormeci….
CAPÍTULO 2
Passou uma semana. O quadro ficou no meu quarto. Mas no meu
quarto mesmo. Em casa dos meus pais. Parece que agora anda por aí um vírus e
que por isso decidiram fechar as escolas e todos os pequenos comércios,
incluindo o café onde eu trabalhava ainda há nem uma semana.
Os meus pais saem para ir trabalhar. O meu pai é polícia e a
minha mãe é médica. Pelo que eles me dizem isto é mais perigoso do que parece.
Com medo de me infetarem até nem se aproximam de mim.
Acho que até estão a pensar em pedir aos Antunes para me deixarem
lá viver enquanto isto estiver assim. Pois para vocês saberem, os Antunes são
os pais do Rafael. Rafael Antunes é o nome dele.
Claro que como eles eram “amigos muito próximos” aceitaram.
Amanhã vou ficar em casa dele. Ainda por cima o “meu” quarto fica
mesmo ao lado do dele. Sinceramente não sei se isso é bom ou se é mau. Acho que
depende do ponto de vista do meu coração e da minha mente. E suponho que não
seja preciso dizer que eles não estão lá muito de acordo.
Vamos ver como é que vai ser.
Levantei-me da cama. A sweat tapava-me o rabo e os calções que eu
tinha vestidos por baixo. Os meus pais já foram trabalhar. Tirei uma caneca de
café e fui ver a rua através da janela da sala.
Afastei o cortinado e vi-o a largar a toalha. O seu corpo nu era
como mármore. Intacto, lindo, suave e brilhante. Ele vestiu os boxers e
apanhou-me a olhar para ele através da janela.
Fechei o cortinado. Uns minutos depois ouvi o toque de mensagem
do meu telemóvel. Era uma mensagem dele.
“E se viesses cá a casa?”
“É melhor não” respondi-lhe
Não tardou para que ouvisse a
campainha de minha casa a tocar. Fui abrir a porta.
-O que é que fazes aqui?
- Então, já que não vieste até minha
casa eu vim até à tua…
-Tu és maluco, só pode. Não podes entrar nem andar na rua. Ou já
te esqueceste do vírus? Vai-te embora!
- Oh, vá lá. Vais dizer que não me queres em tua casa?
Corei. “SÊ RACIONAL” pensei
-Não. Agora vai para tua casa.- disse fechando-lhe a porta na
cara.
Quando estava a ir para a cozinha ouvi-o a falar do lado de fora
da porta
-Como queiras. Amanhã vais para minha casa de uma maneira ou de
outra. Vamos ver se conseguimos manter o distanciamento social como eles dizem
para manter.
Vi-o caminhar para sua casa. Eu vou conseguir. Mas por precaução
talvez seja melhor perguntar aos meus pais se não posso antes ficar cá em casa.
…
Escusado será dizer que os meus pais não concordaram com isso.
Até me fizeram vir para aqui mais cedo para dormir aqui e não ser obrigada a
“acordar mais cedo”. Acho que também não preciso de dizer que ele não para de
me provocar.
Não trouxe muita coisa. Roupa, escova de dentes e pente, os meus
livros, carregador, telemóvel e o quadro que ele me deu. É incrível como é que
alguém tão frio pode captar tão bem uma imagem e reproduzi-la com as suas
próprias mãos apenas necessitando de pincéis, tintas e uma tela.
Eu sempre pensei que esse tipo de arte fosse ridículo e sempre
gostei mais da arte da fotografia, mas este quadro fez-me começar a pensar
exatamente o contrário.
Deitei-me na cama. Observava o teto. Não conseguia dormir e
também não estava com vontade de fazer o que quer que fosse. Fui buscar o
telemóvel e marquei o número da Marta.
“-Oi Marta. Espero não te ter acordado.
-Na boa. Também
ainda não estava a dormir.
-Nem eu. Não consigo.
-Imagino porque
será.
-Não comeces por
favor. Tenho saudades da escola. Ainda só estamos há uma semana em casa e já
estou farta disto.
-Eu não estou
assim tão farta. Acho que o que me safa é o facto de ir passear o meu cão à
rua. Senão, acho que já estava a dar em maluca.
-Pois. Só que eu
não tenho cão nem cadela. Só um idiota a chatear-me e ainda agora me mudei para
aqui.
-Pois é. Já me
tinha esquecido disso.
-Pois, pois.
Como se tu te fosses esquecer disso.
-Ok talvez não
me tenha esquecido. Ahahah
-Não mete muita
graça. Ele é irritante e convencido. Sinceramente não sei o que é que as
raparigas da escola veem nele.
-Talvez tu
saibas isso porque o conheces há mais tempo. Nunca te disseram que o fruto
proibido é o mais apetecido?
-Falas como se
tivesses conhecimento na matéria.
-Não duvides
disso, Sarinha.
-Meu deus!
Ahahah
-Estava a
pedi-las. Olha eu tenho de ir dormir senão daqui a nada os meus pais vêm para
aqui reclamar que já está na hora de dormir e eu não largo o telemóvel.
-Eu nunca tive
problemas desses. Bem, boa noite então, Marta.
-Boa noite,
Sara.”
Desliguei a chamada. Fui pôr o
telemóvel em cima da secretária e depois acendi a luz do candeeiro da mesinha
de cabeceira, para ler mais um pouco do meu livro.
De repente a porta do quarto
abriu-se.
-Queres o quê a esta hora da noite?-
perguntei largando o livro em cima da cama e olhando para ele
-Vinha saber com quem estavas ao
telefone.
-E porque é que eu te haveria de te
dizer isso?! E já agora podias ter batido à porta. Imagina que eu estava
despida?!
-Bem, não seria assim tão mau. E depois, eu estou na minha casa
porque é que haveria de bater à porta?
-Sabes que às vezes és mesmo irritante não sabes?
-Obrigado. Eu tento.
Dito isto ele foi-se embora e fechou
a porta. Sinceramente tenho pena dos pais dele. A mãe dele é dona de um banco
qualquer e o pai é dono de uma empresa. Não admira que o filho seja mimado.
Agora estão os dois em teletrabalho e o filho nem sequer tem atenção. Para ser
sincera nunca teve.
Quem costumava dar-lhe atenção era
eu a ele e ele a mim. Só que ele começou a ficar frio enquanto eu ficava
quente. O oposto um do outro. E acho que isso se deve ao facto de que os meus
pais ao menos tentavam estar comigo enquanto que os dele simplesmente o
ignoravam.
Os nossos pais não sabem o que
aconteceu entre nós porque dizem que é muito estranho duas pessoas que eram
melhores amigos começarem a se odiar.
Só que nem tudo é perfeito. E nossa
amizade também nunca mais foi. Eles acham que agora que vamos estar juntos por
causa dos coronavírus que talvez nós recuperemos a nossa amizade. Acho que
prefiro conhecer o Diabo a ser amiga dele.
…
A noite foi agitada. E o facto de o
Rafael me acordar aos gritos e de me despejar um copo de água fria na cabeça também
não ajudou. Desatei aos gritos com ele e corri atrás dele pela casa de pijama e
com uma garrafa de gelo para lhe atirar para cima.
Os pais dele nem sequer disseram
nada quando nos viram. Foram para os escritórios trabalhar e mais nada. Depois
de me acalmar fui me secar e fui fazer o almoço.
Peguei num prato enchi-o com comida
e fui para o quarto.
-Então e almoço para mim?- perguntou
ele
-Está lá feito. É só pegares num
prato e servires-te. Não custa nada.
Se ele pensa que só porque os pais lhes fazem as vontadinhas
todas ele que não pense que eu também vou fazer. Estás muito enganado,
amiguinho.
Depois de comer, fui lavar o meu
prato e fui fazer os trabalhos que os professores mandaram.
-Vou sair. Queres vir?
-Não podes sair. É perigoso. E é proibido. A menos que queiras
ficar infetado, claro, ou que queiras ser apanhado pela polícia.
-Eu não vou muito longe. Vou só apanhar ar até ao fundo da rua e
depois volto.
-Boa viagem sozinho então.
Alguns minutos depois ouvi a porta da rua a bater. “Deus te proteja” pensei.
Recebi uma mensagem do meu pai. Dizia que quando ele acabasse o
trabalho ia me ligar porque tinha uma coisa importante para me dizer.
Claro que se estivéssemos numa época normal eu ficaria um
bocadinho estressada. Mas visto que estamos numa época de pandemia, não
consegui fazer muito mais por causa do stress. Pelo menos até que ele me
ligasse.
E claro para piorar as coisas, para quem ia só até ao fundo da
rua e voltar estava a demorar muito tempo. Eu só fico admirada como é que depois
de tudo o que se passou eu continuo a preocupar-me com ele.
Eram 10 da noite quando o meu pai ligou.
“-Estou? Pai? O que é que
se passa?” -não consegui esconder a preocupação.
“-Filha calma. Preciso que
fiques calma.
-Pai diz logo!
-Tu és uma rapariga inteligente e
aposto que a gravidade desta pandemia não te passou ao lado de certeza…
-Pai?
-Filha, a tua mãe... Ela foi
convocada para tratar de doente infetados pelo COVID-19. Infelizmente, apesar
de todas as proteções que ela usava, o seu corpo contraiu o vírus e está agora
internada nos cuidados intensivos.
-MÃE….”
Não consegui ouvir mais nada do
que ele me dizia. A minha mãe estava infetada. Estava em estado grave. A MINHA
MÃE!
“PORQUÊ ELA, DEUS? QUE MAL EU FIZ
PARA MERECER ISSO?”. As
lágrimas brotaram dos meus olhos e percorriam com velocidade no meu rosto. Para
melhorar a situação, o Rafael chegou a casa.
-O que é que se passa?-perguntou ele
-Para de fingir que te importas se faz favor. Isso só me dá mais
nojo de ti, idiota!
Corri escadas acima. Entrei no quarto… Isto não pode ser verdade.
É só um pesadelo do qual eu vou acabar por acordar….
Dois meses. Há dois meses que estou em casa. A minha mãe graças a
Deus foi forte e combateu o vírus. Foi a sétima pessoa recuperada deste maldito
vírus. Ele infetou tudo. Desde as pessoas aos media. Parece que temos a nova
estrela do ano. E eu que pensava que 2020 ia ser um ano em grande. Eu e toda a
gente. Mas está a ser. Um ano em grande cheio de infetados, mortos e crises.
O meu grande conforto tem sido a Marta, que todos os dias de
noite me liga ou eu lhe ligo a ela e passamos horas a falar até de madrugada. É
porque cá em casa eu pareço invisível para dois e um brinquedo para o terceiro.
Não faço mais nada se não discutir com ele. Está sempre a fazer
de propósito para me chatear e está sempre a interromper as minhas aulas.
Já falei com os meus pais, mas eles dizem que quando isto acabar
eles me vão compensar pelo esforço que eu tenho feito. Isto é mais que um
esforço. É tipo missão impossível.
Mas eles deveriam estar gratos por eu ter um coração de manteiga
porque disse que eles não precisavam de fazer nada para me compensar porque eu
sabia que eles só estavam a zelar pelo meu bem.
O Rafael continua a levar isto na brincadeira e continua a sair
de casa. Ele e os amigos dele, que só fazem porcaria. Talvez os pais dele o
ignorem por estarem arrependidos e desiludidos com o filho que “criaram”. Ainda
assim isso não é desculpa para “deixar” assim um filho.
Estou em aula. Aula de artes. A mesma aula em que ele pintou
aquele quadro e que o professor, mesmo passado dois meses, não deixa de dizer
que está orgulhoso do nosso trabalho.
Está sempre a dizer-me que eu tive muita coragem para me deixar
ser pintada assim. Se ele soubesse….
-Sara?
-Sim, professor?
-Quem é o autor que está aqui desenhado nesta imagem pintada pela
sua colega Lara?
-Eu penso que seja um retrato do Leonardo de Vinci.
-Eu penso que seja um retrato do Leonardo de Vinci.
-Correto.
O professor continuou a falar. Ouvi a campainha de lá de baixo a
tocar repetidamente. Tirei a câmera e fui lá abaixo. Abri a porta.
-Estás atrasado para a videoaula.
-Isso é problema meu.
-Como queiras. Não te esqueças de te desinfetar e de lavar as
mãos antes de tocares no que quer que seja. Já que não obedeces às autoridades
e que não usas máscara e luvas, ao menos desinfeta-te com o álcool.
-Para quê? Isso das regras é ridículo. Aposto que muita gente o
faz e no entanto fica infetada na mesma.
-Talvez mas se o fizeres já ajuda a que haja menos probabilidades
de também ficares infetado.
-Porquê? Não me vou desinfetar e não vou fazer nada porque eu sou
livre de fazer o que eu quiser.
-Como queiras. Mas afasta-te de mim.
-E porque haveria eu de fazer isso?-disse ele aproximando-se cada
vez mais de mim até que os nossos narizes se tocassem.
-Porque eu tenho asma, sou doente de risco e não quero ficar
infetada ao contrário de ti pelos vistos. Agora se não te importas tenho coisas
mais importantes a fazer do que ficar aqui colada a um idiota que tem a mania.
Afastei-me dele. Quando cheguei ao quarto passei-me por álcool e
voltei para a aula.…
.....
À noite quando eu estava deitada na cama muito bem a falar ao
telefone com a Marta, ele entrou pelo quarto adentro e perguntou:
-Vai haver uma festa nas docas. Queres vir?
-E se a polícia vos apanha?
-Isso é a parte mais divertida. Fugir da bófia. E se formos
apanhados nem sequer somos presos porque não há nenhuma lei que diga que podem
prender quem não cumprir o estado de emergência.
-Não, obrigado. Já gastei as minhas energias do dia a aturar-te.
Não preciso de mais preocupações para a minha doce e tranquila vidinha.
-A isso é que eu chamo ironia. Bem ,eu vou andando. Se mudares de
ideias aparece por lá.
-Não. E não é não.
-OK, tu é que perdes. Vai ser uma festa em grande….
Ele saiu do quarto e saiu de casa. O meu olhar desenhado naquele
quadro observava-me agora. Era o olhar de uma menina frágil que era desejada
pela pessoa que a irrita, mas que ela também deseja. Um olhar misterioso e
confuso. Triste e alegre ao mesmo tempo. Fui à janela.
-JÁ AGORA LEVA CONTIGO O TEU MALDITO QUADRO ESTÚPIDO!-gritei
atirando a tela pela janela que caiu mesmo em cima da cabeça dele e depois caiu
no chão.
Ele agarrou nele e levou-o debaixo do braço. Não dava. Era um
quadro lindo mas ao mesmo tempo perturbante. Como se ele quisesse que cada vez
que eu olhasse para ele me lembrasse que não importa o quanto eu o odeio, o
quanto ele me irrita ou o quanto ele me chateia, eu vou sempre desejá-lo
daquela maneira que me enoja mas que me vence quando ele está demasiado
próximo.
Mas isso não é verdade. Odeio-o com todo o meu ser e já nada me
tira isso da cabeça, da mente ou do coração. E graças a Deus, a Marta já
percebeu isso de uma vez por todas e já nem sequer fala dele comigo.
Ainda bem porque já é suficiente mau ter que vê-lo o dia inteiro,
quanto mais falar dele.
Estava carregadinha de sono por isso fui dormir. Esta era uma
daquelas raras noites em que eu conseguira adormecer.
...
Não paravam de tocar à
campainha. Eram 3 da manhã. “Será que aquele estúpido não levou chaves?”
Esperar que os pais dele fossem abrir era escusado porque eles dormem que nem
pedras.
Levantei-me, enrolei-me no robe e desci as escadas. Abri a porta
ainda meio ensonada.
Fui surpreendida por um polícia que agarrava no Rafael
-Desculpa acordar-te, Sara. Mas eu e os meus colegas recebemos
uma denúncia de alguém a dizer que havia um grupo de marmanjos nas docas a dar
uma festa. Só nunca pensei que um desses marmanjos de meia tigela fosse o nosso
vizinho e amigo Rafael.
Ele baixou a cabeça e olhou para mim
-Eu avisei-te.-disse agarrando-o por um braço e puxando-o para
dentro de casa.
-Desta vez tiveste sorte que eu estava lá, Rafael. Da próxima vez
podes não ter tanta sorte. Podes ter de passar uma noite na cadeia.
-Isto é ridículo-disse ele soltando-se da minha mão e indo para o
quarto dele.
-Onde é que estão os pais dele?-perguntou o meu pai
-A dormir.
-Querida, eu não quero ser chato nem te pedir muita coisa mas
toma conta dele se faz favor.
-Eu trato dele e lido com ele como posso, pai. Eu estou sempre a
avisá-lo do perigo disto, mas ele não liga nenhuma.
-Ele deve ser daqueles miúdos que só aprende quando apanha um
susto.
-Eu acho que nem assim, pai. Ele é muito frio. Nem sei como é que
ele ainda não apanhou uma hipotermia.
-Eu também era assim filha. Mas a tua mãe ajudou-me a aquecer.
-Pois mas a mim parece-me que eu não vou ser essa pessoa na vida
dele.
-Tu é que sabes. Agora vou trabalhar. Adeus, filha.
-Adeus pai…
Foi estranho ver o meu pai de luvas, viseira e máscara. Mas é
assim que tem de ser.
Isto está cada vez pior e eu não consigo lidar com o Rafael. Isso
devia ser tarefa dos pais dele. Se ele ficou mimado a culpa é deles e agora eu
é que tenho de aguentar com ele...
Voltei para o quarto e encontrei-o lá. Respirei fundo e disse:
-O que é que fazes aqui?
-Estou à procura daquele frasquinho que tu tens com álcool. Podes
me emprestar?
-Claro-disse, perplexa pela atitude dele
Mas isso durou pouco tempo porque ele agarrou no frasco e
despejou o líquido que estava lá dentro pela janela fora.
-Mas tu estás-te a passar ou quê?!
Tirei-lhe o frasco da mão agora vazio.
-Apeteceu-me...
-Apeteceu-te?! Sabes o que é que também me apetece? Dar-te uma
chapada na cara. Ou um soco. És tão idiota que não percebes que com essa
atitude só estás a afastar as pessoas de ti. Não te queres proteger? Tudo bem.
Problema teu. Agora eu não sou nenhuma criança e tenho a noção do que está a
acontecer. Há milhares de pessoas infetadas, outros tantos milhares de mortos e
o número de recuperados está a aumentar mas não é suficiente para esquecer o
que está a acontecer. Se toda a gente fosse como tu, então acho que a raça
humana já tinha acabado. Mas é por as pessoas não serem idiotas como tu que elas
estão a proteger-se.
Ele começou a rir-se
-Pois mete muita piada, não é?! Eu para aqui a tentar ver se tu
ganhas o mínimo do juízo e tu ris-te e gozas como se isto fosse uma
brincadeira.
-Ohhh não fiques estressada. Deixa-me tirar-te esse estresse…
Eu sabia a intenção dele. Mas não. NUNCA!
-Nem penses se alguém me estressa és tu! E sabes que o vírus
também se pode pegar através das relações sexuais? Foi um estudo realizado recentemente
por cientistas.
E mesmo que não se pegasse eu precisava ser tão idiota como tu
para me voltar a envolver contigo por isso vê se tiras o cavalinho da chuva.
Ele saiu do quarto e foi para o dele. Com isto tudo até me
esqueci que eu estava ao telefone com a Marta
“-Marta estás aí?
-Yap
-Ouviste a conversa toda?
-Cada letrinha...
-Desculpa.
-Sem problema. Se calhar é melhor
irmos dormir. Já é tarde.
-Tens razão. Xau, Marta.
-Xau, Sara….
Desta vez foi ela quem desligou. Quase de certeza que ela
percebeu a tensão que estava naquela casa. Pelo menos entre dois dos membros
daquela casa.
Eu só queria ter descanso um dia que fosse. Mas parece que está
difícil.
O número de infetados e de
mortos é cada vez maior. Apesar de os números do dia a dia terem vindo a
baixar, os números continuam altos. Agora o Governo quer começar a abrir os
estabelecimentos de pequenas dimensões. Não sou especialista nisto, mas acho
que ainda é muito cedo para isso.
Enfim. Quem sou eu numa sociedade tão grande que abrange agora o
mundo inteiro? É que o COVID-19 não quer saber se é pobre se é rico, humilde ou
mentiroso. Ele ataca todos por igual.
O Rafael já me atirou à cara que eu estou mais preocupada com
isto por causa dos meus pais estarem a trabalhar. Em pequena parte talvez seja
verdade mas em grande parte não passa de um comentário ofensivo que ele disse
para me chatear.
Existe uma pergunta na minha mente que eu lhe quero fazer. Quer
dizer, existem muitas mas acho que esta é a mais fácil de perguntar e obter
resposta.
Sem mais demoras entrei no quarto dele. Ele estava sentado na
cama a jogar videojogos.
Olhou para mim e disse:
-Podias ter batido à porta…
-Porque haveria eu de fazer isso se não o fazem comigo-disse eu
imitando a sua voz
-O que é que queres?
-Quero saber o que é que fizeste ao quadro que tu fizeste…
-Queres saber? - perguntou fazendo aquele sorriso cínico - na
festa da docas estava frio e como precisavam de alguma coisa para reatar a
fogueira eu dei-lhes o quadro. Olha que ficou quentinho. Mas depois chegou o
teu papá e apagou a fogueira.
-Bem fez ele-disse eu e foi me embora do quarto dele.
Ele é que perdeu o seu tempo e o seu trabalho. Isso a mim só me
aliviou a alma.
Como não tinha nada para fazer fui ver as notícias e ver que
informações novas os jornalistas me tinham para dar.
Parece que isso de abrir as lojas pequenas vai mesmo acontecer. É
também querem abrir as creches e a escola para 11° e 12° ano por causa dos
exames.
Com que então vai mesmo acontecer. E o estado de emergência também
vai acabar. O país vai passar a estar no estado de calamidade. E a
partir de amanhã quem não usar máscara na rua pode apanhar a multa de 120 a
350€.
Os pais do Rafael podem não ligar muito ao filho mas se ele os
"obrigar" a pagar uma multa, mesmo que seja baixinha para eles, acho
que são bem capazes de se passar.
Ainda bem que eu já tenho máscaras, luvas e mais desinfetante
(sem lembrar daquele que o Rafael deitou fora).
Seja como for, os meus pais querem que eu continue em casa e só
se for extremamente necessário é que saio.
Eles já se preocupariam comigo não sendo eu doente asmática.
Então sendo como sou e estando nos grupos de risco então ainda mais se
preocupam.
Ouvi o meu telemóvel a tocar e fui lá acima buscá-lo. No ecrã
podia ver o nome da Marta.
"-Estou. Marta? Pensei que só
me ligavas à noite."
Ouvi a minha melhor amiga a soluçar e assustei-me
"-Marta, o que é que
aconteceu?
-A Lara….
-O que é que tem a Lara?
-Ela… ela ficou infetada…
-Como é que sabes?
-Os pais dela ligaram-me… Ela não
aguentou…
-Não…. não pode….
-Sim… Desculpa estar-te a dizer
isto por chamada, mas agora não é possível fazê-lo de outra forma.
-Não faz mal. Ao menos ligaste a
dizer… E os pais dela como estão?
-Mal. Eu até fiquei admirada de
eles me terem ligado a informar sobre isso.
-Pois, eu também ficaria.
-Bem, eu só te queria contar isto
porque tu também tens o direito de saber e porque os pais dela me pediram
porque eles não têm o teu número.
-OK, Marta. À noite falamos…
-Adeus Sara. "
Não consegui conter as lágrimas. Enquanto estava em chamada tudo
bem para não deixar a Marta ainda mais em baixo.
O Rafael apareceu e tinha de deixar o seu típico comentário
ofensivo.
-Também estás sempre a chorar.
-Pois e tu nunca consegues estar calado. Visto que não tens
qualquer intenção de saber o que é que aconteceu então vai-te embora. Vai
passear faz como quiseres, mas por um segundo deixa-me em paz. Estou cansada de
ti. Nem me vou dar ao trabalho de te explicar o que se passa ou de te responder
porque tu só te preocupas contigo. Sabes que mais. não te preocupes não
precisas de sair do quarto porque afinal estás na tua casa. Então eu trato de
me ir embora.
Saí do quarto e fui para a sala. Acendi a televisão e tentei
descansar um pouco no sofá. Talvez me conseguisse libertar de algum estresse.
As coisas seriam bem melhor se não tivesse de estar a viver com
ele.
Este maldito vírus está-me a estragar a vida toda… Quando é que
isto vai acabar. Alguém me diga!
CAPÍTULO 5
Ok, aqui vai uma pequena atualização. Digamos que as coisas
correram melhor do que eu pensava. O número de infetados de 24 em 24h tem
baixado e o número de mortes também.
Agora vamos para a segunda fase de desconfinamento. Vamos ver
como é que as coisas vão correr.
Liguei para a minha mãe.
"-Sara. Olá, filha. Como é
que estás ?
-Mais ou menos mãe.
-Como assim, filha?
-Tenho me sentido cansada. Já para
não falar que não consigo respirar como deve ser.
-Filha, fecha-te no quarto. Não
contactes com ninguém. Vou pedir a algum colega meu para ir até aí a casa.
-Porquê, mãe. É assim tão mau?
-Querida, eu não te quero
preocupar. O meu colega explica-te tudo quando chegar aí.
-OK, mãe. "
Bem, mesmo que a ideia da minha mãe fosse não me preocupar, isso
acabou por acontecer.
Enfim fiz aquilo que ela me mandou. O seu amigo certamente não
demoraria muito a chegar. Eu só espero que isto não seja nada de mal.
Como já estava a apanhar uma seca liguei à Marta. Ao menos assim
não morria de tédio.
"-Olá Marta. Está tudo bem
por aí?
-Mais ou menos…
-Então o que é que se passou
agora?
-O meu pai lembrou-se agora que se
quer separar da minha mãe.
-Pois. Agora passam dias inteiros
juntos, já estão fartos um do outro. Isso é muito mau.
-Pois. Mas a minha mãe também nem
sequer ficou magoada nem nada. Até está a reagir bem. Pelos vistos ela também
já o queria fazer antes da quarentena. Só que não me queriam magoar.
-E tu como é que estás?
-Bem, dentro dos possíveis. Desde
que eles se continuem a dar bem por mim está tudo ótimo. Afinal de contas os
meus pais já têm idade para ter juízo e tomar conta das suas vidas.
-Pois. Tens sorte. Há muitos
casais que se querem divorciar por causa disto e os filhos infelizmente não
reagem bem.
-É verdade. E então tu, só ligaste
para saber isso ou há alguma novidade.
-Há uma. Mas ainda não foi
confirmada e não é nada mesmo nada bom se for confirmado…
…
O colega da minha mãe chegou uma meia hora depois de eu ter
falado com a Marta e de ter desligado o telefone.
Era um médico jovem e bastante simpático até. Entrou no meu
quarto e começou a falar comigo.
-Olá Sara. Eu sou o amigo da tua mãe. O meu nome é David. A tua
mãe disse-me que és uma rapariga bastante inteligente por isso deves saber o
que se passa, certo?
-Sim. Os sintomas que eu tenho são do… do vírus não são?
-Exatamente. Mas não tenhas medo. Também são sintomas das
alergias da Primavera. Preciso de te tirar sangue para as análises.
-OK….
Ele foi carinhoso e cuidadoso para não me magoar. Era de um
namorado assim que eu precisava. Alguém que se preocupe comigo e que não me
esteja sempre a deitar abaixo.
Quando ele acabou, perguntei-lhe uma coisa.
-As outras pessoas desta casa também podem estar infetadas?
-É provável. Mas há sempre uma pequena probabilidade de não
estarem. Vou lhes tirar algum sangue para análises e depois eu aviso a tua mãe
para ela te contactar.
-Espere. Talvez eu lhe possa dar o meu número. Assim não precisa
de incomodar a minha mãe com o assunto. Se for qualquer coisa de grave eu
depois aviso-a.
-Isso é um gesto muito querido da sua parte mas eu prefiro
contactar a tua mãe. Só porque ela me pediu e também me avisou de que tu farias
qualquer coisa para não a incomodar por causa do seu trabalho.
-É minha mãe. O que é que eu posso fazer? Conhece-me de ginjeira.
Despediu-se de mim com um sorriso doce e quente saiu do quarto.
Agora tudo depende da história que o meu sangue contar…
…
Depois de uns 10 minutos a discutir com a colega da minha mãe e
de dizer vezes sem conta "isto é
desnecessário", "nem pense que vou tirar sangue só por causa
disto", "porque razão haveria eu de ficar infetado com uma coisa tão
minúscula que não passa do ridículo" o homem lá conseguiu tirar-lhe
sangue para as análises.
Claro que depois tinha de me vir chatear cá acima e de
desrespeitar aquilo que o médico disse acerca de não me visitar enquanto as análises não chegarem.
Entrou de rompante pela porta do quarto.
-Viste-me a lata daquele gajo. Ele também te tirou sangue?
-Sim, Rafael, também tirou…
-Porquê?
-Porque eu tenho os sintomas do vírus.
-Mas tu nem sequer sais de casa.
-Mas tu sais e podes ter apanhado e teres-me pegado tal como
também podes ter pegado aos teus pais. Por isso é que ele tirou sangue a todos
para análises.
-Isto é…
-"ridículo". Já
sabemos que é isso que achas disto.
-O que é que se passa contigo?
-Porque perguntas?
-Normalmente entras logo a matar comigo e a contradizer-me. Agora
simplesmente não dizes nada. É um dos sintomas também. Ficar fraca para
discutir.
-Não. Chama-se ficar farta de discutir.
Não fazemos mais nada se não isso. Quando éramos mais novos não éramos assim.
Alguma coisa mudou. Já tentei perceber o quê mas não consigo…
-Agora pareces os nossos pais a falar.
-Talvez eles tenham razão não achas? Gostava que me ajudasses a
perceber o que é que aconteceu…. Mas tu não te importas com a nossa amizade.
Porque hei de ser eu a importar-me? Só me estressa mais e eu não preciso de
mais estresse na minha vida.
Deitei-me de costas para ele. Ele não disse mais nada. Limitou-se
a sair do quarto.
Foi mais fácil atirar-lhe à cara o que se estava a passar e o que
estava a sentir do que eu pensara.
Liguei ao meu pai. Precisava do conforto dele. Claro que também
era bom o conforto da minha mãe, mas como ela está a linha da frente a combater
este vírus não a quero incomodar.
É óbvio que o meu pai também está a trabalhar e a ajudar neste combate
"frente a frente", mas é
mais fácil de ele me atender o telemóvel do que a minha mãe.
Ainda assim, ele não me atendeu. Foi para a caixa do correio.
Deixei-lhe uma mensagem de voz. "Pai preciso de falar contigo. Estou a
apanhar uma seca e estou preocupada com aquilo que eu posso ter. Queria falar com alguém amigo. A
mãe deve estar muito ocupada e não quero estar a chatear a Marta. Ela já tem
problemas que chegue para se preocupar. Os pais do Rafael não vão ajudar muito
e nem sequer ponho a ideia de ele me ajudar… Quando puderes, liga-me pai… Tenho
medo…. "
Como passado algum tempo ele não me disse nada, calculei que se
calhar não tinha bateria no telemóvel.
Virei-me de costas para a cama e fiquei a observar o teto.
Parecendo de certa forma estranho isso até me ajudou a acalmar de certa forma e
a pensar nas coisas e na vida com mais clareza.
Vou certificar-me de que o
faço mais vezes.
Quando estava quase a adormecer, o toque do meu telemóvel soou
pelo quarto inteiro e fez eco nos meus ouvidos. Dói-me imenso a cabeça.
Peguei no objeto e atendi
"-Estou?
-Olá. Este é o número da menina
Sara?
-É sim. Quem fala?
-Sara, sou eu o colega da tua mãe.
A tua mãe deu-me o teu número.
-David?
-Sim, Sara sou eu. Eu queria te
avisar que mandei agora uma ambulância para aí agora. Vão te trazer para o
hospital.
-O quê?
-As análises chegaram Sara. Estás
infetada com o coronavírus. "
Senti o meu coração a parar…
Sinto a maca aos saltos por causa dos buracos da estrada. Os
paramédicos olham para mim como se eu tivesse uma doença que me possa matar.
Mas por muito que eu tentasse distorcer a verdade e tentasse
enganar a minha mente, eu sabia perfeitamente que essa era a pura
realidade. Para acalmar, fiquei a
observar o teto da ambulância. Mas não funcionou como da outra vez.
Para ser sincera, nunca me tinha posto no lugar dessa gente. Do
sentimento de medo e de obrigação ao mesmo tempo. De sentir que têm de se proteger
o país inteiro e ao mesmo tempo cuidar dos seus e de si.
O estresse o dia inteiro deve ser demais. Mas esta gente não é
uma gente qualquer. Com orgulho no seu país e pátria.
São pessoas que dão tudo por tudo na linha da frente para ter a
certeza de que não falta nada ao nosso povo. São pessoas de coração mole e
forte ao mesmo tempo.
Sem medos. Apenas um objetivo. Dar esperança e vida ao seu país.
São Portugueses.
E isso basta-lhes como razão para darem o seu melhor.
Finalmente, chegamos ao hospital. As enfermeiras que me vieram
buscar vinham "cobertas" de plástico. Uma bata, luvas, máscara,
viseira e touca.
A proteção é tudo para combater o vírus. Depois em 30 minutos
conseguiram isolar-me num quarto internada. Pelo caminho não vi a placa a dizer
cuidados
intensivos por isso menos mal. É porque não estava assim tão mau como
eu pensava.
Depois de instalada, fiquei a observar cada coisa daquele quarto.
Separados pela cortina de plástico, havia ali pelo menos umas quatro pessoas a
contar comigo.
Sentia-me assustada. Não sei há quanto tempo aquelas pessoas
estavam ali. O medo percorreu-me a espinha. Quando observei com mais atenção pude
reparar que um dos pacientes que ali estava era uma criança. Um rapazinho com
os seus 9 ou 10 anos. O ponto a que isto chegou.
E nós tomamos medidas de precaução. Os países que não o fizeram
estão uma lástima em questão de números.
Mas cada país carrega o seu fardo
e o nosso já tem problemas que chegue.
Agora que penso nisso tudo isto começou na China e eu nunca mais
ouvi falar dela na televisão. Até admira.
Mas no meio de tantos pensamentos fui interrompida pela entrada
do médico na sala. Ele estava igualzinho às enfermeiras que me foram buscar à
ambulância e que me trouxeram até aqui.
-Então, Sara? Correu bem a viagem até aqui?
-Sim…
Mesmo estando vestido daquela maneira, ele mantinha uma certa
distância de segurança. É normal.
-Diz-me, por acaso os teus sintomas alteraram-se muito desde esta
manhã?
-Não. Continuo só cansada e tenho alguma dificuldade em respirar.
-Achas que isso é do estresse e da asma ou não?
- Eu acho que não. Mas você é que é o médico. Diga-me você.
- Bem, eu acho e agora com as análises vou ter a certeza de que o
vírus já encontrou o teu ponto fraco e vai começar a atacar aí. Por favor, se
começares a não conseguir respirar, não penses que vai passar e chama-me logo.
-Primeiro, desde muito nova que me ensinaram para não pensar isso
por causa da asma. E segundo como é que eu o vou chamar? Começo aos gritos?
- Não, Sara. Nesse aparelho aí ao teu lado. Não debaixo do
aparelho do batimento cardíaco. Sim, esse mesmo. O botão azul que está aí. É só
carregares que a rececionista recebe um alarme em como precisas de ajuda e
liga-me logo a avisar. Agora preciso de tirar uma amostra do teu sangue. Posso?
-Claro.
Enquanto ele o fazia com todos os cuidados, fomos falando e
esclarecendo todas as dúvidas que eu tinha. No fim, antes de ele sair do
quarto, perguntei-lhe uma coisa que me estava a deixar preocupada.
-David?
-Sim, Sara….
-Como é que estão as outras pessoas de lá de casa?
-Os pais do teu amigo não estão infetados. Provavelmente deve-se
ao facto de eles estarem pouquíssimo tempo perto de vocês. Já o teu amigo
Rafael, ele é daqueles casos a que nós chamamos de transportador ou portador do
vírus.
-Como assim?
-O sangue do Rafael tem o vírus, mas o corpo não apresenta sinais
de o ter porque o sistema imunitário dele conseguiu evitar que o vírus se
apoderasse do seu corpo. No entanto, o vírus continua ativo no seu sangue e
corpo e pode infetar qualquer pessoa à sua volta. Infelizmente tu foste uma
dessas pessoas.
-Há mais?
-Alguns amigos dele.
-OK. Obrigada.
-Sempre que precisares.
Ele saiu do quarto e foi não sei para onde. Já eu fiquei ali no
quarto com aquelas quatro pessoas.
Acho que vou ficar por aqui um bom bocado.
…
Os dias têm ficado cada vez mais secantes. Para ser sincera já
nem sequer sei quanto mais tempo aguento ali. Todos os dias o choro da criança
ecoa na minha cabeça devido às dores que tenho.
Agora fiquei a conhecer um pouco mais sobre cada pessoa que se encontrava
ali naquele quarto.
Rodrigo, a criança de 9 ou 10 anos tinha ficado infetada devido
aos pais, que andavam sempre nos bares e não tiveram o cuidado de se proteger e
de proteger também o filho.
Matilde, uma idosa com os seus 83 anos nunca mais saiu de casa
desde o início da pandemia. Então para não dar em louca saiu de casa e
infelizmente contraiu o vírus.
A Inês era uma jovem empresária que depois de ser expulsa de casa
pelo marido, trocada pela amante, foi viver para a rua e que ficou infetada por
causa de um empregado numa loja qualquer ali perto que também estava infetado,
mas que não sabia.
O mais triste nestas histórias é que todas estas pessoas (OK aqui
são só 4 mas não importa) estão "felizes"
por estarem aqui. Porque têm atenção, amor, carinho, não são trocadas,
maltratadas ou até mesmo abandonadas.
E parecendo que não, isso faz a diferença num coração que se
julgava desfeito. Estas pessoas chegaram a um estado tão lastimável que mesmo
estando doentes e sabendo que podem morrer, estão felizes.
Isto é uma coisa muito triste de se ouvir ou de se dizer.
E agora que penso nisso o meu caso não é muito diferente. O meu
resultado deu positivo porque o estúpido do Rafael fez exatamente o contrário
do que as autoridades de saúde pediram e agora eu estou internada num hospital
enquanto ele só tem de ficar em casa.
E eu estou feliz porque assim não tenho de o aturar e porque
tenho a certeza de que aqui ninguém vai fazer de tudo só para me chatear e para
me enervar.
Entretanto a minha mãe apareceu por cá a meio da tarde para ver
se estava tudo bem. Eu disse-lhe para ela não se preocupar que eu estava em
boas mãos e
que o doutor David era fantástico e que não havia problema nenhum.
Até me deu pena. Os olhos dela, cheios de preocupação e medo. Como
se ela pensasse que a culpa é sua por me pôr a viver na casa do Rafael.
Não sei ainda como é a dor de uma mãe, mas eu não quero que a
minha passe por outra, outra vez.
É que agora eu tenho 22 anos, mas quando tinha 11 anos eu não era
filha única. Tinha um irmão chamado Vicente.
Era de noite e a minha mãe deixou a porta de casa aberta.
Estávamos de férias. O meu irmão saiu do quarto durante a noite e foi para a
piscina. Ele não sabia nadar….
Foi horrível ver o estado da minha mãe quando deu de caras na manhã seguinte com o filho dentro da
piscina, morto por afogamento.
Por muito que ela negue eu sei que ela se culpa por isso. Mas ela
não teve culpa. Ninguém teve. Ninguém sabia que aquilo ia acontecer e ninguém o
podia parar ou impedir.
O meu pai também ficou mal, mas ao menos mostrava-o. Não o
guardava só para si como a minha mãe. Eu herdei isso da minha mãe, mas ao menos
eu trato de ficar feliz e de guardar tudo. Quando já não aguentar mais,
explodo, mas evito magoar pessoas. A minha mãe não. Diz que está tudo bem, mas
a sua cara e o seu olhar dizem exatamente o contrário.
Eu sei que ela me adora, mas o olhar triste que eu vi na sua cara
quando ela me viu deitada numa cama de hospital por estar doente deixou-me de
rastos.
Fui acordada dos meus pensamentos por uma voz infantil mas doce.
-Ainda não me disseste o teu nome.
Olhei para o lado e vi a cara do rapazinho virada para mim. Ele
fitava-me com aqueles olhos fracos mas queridos.
-Eu sou a Sara.
-Olá, Sara.
- Olá, Rodrigo.
-Sara?
-Sim…
-Se eu te fizer uma pergunta podes ser sincera comigo e não me
tentar iludir como as enfermeiras?
-Posso- arrisquei a dizer.
Se for uma verdade muito fria não sei se lhe hei de dizer. Mas eu
detesto mentir e talvez ele mereça saber a verdade.
Ele virou-se para cima e ficou a observar o teto. Talvez aquilo
também o acalmasse e lhe desse coragem.
-Achas que vamos sobreviver?
Engoli a seco. Um arrepio de frio percorreu-me a espinha e quase
que ia tendo um ataque de pânico.
-Eu não te sei responder a isso Rodrigo. Podemo- nos safar mas
não há certezas disso.
-Se tivesses a certeza, qual seria o teu último desejo?
-O meu último desejo? Acho que seria que os meus pais fossem
felizes porque depois de tudo o que eles fizeram por mim acho que eles merecem.
E o teu?
-Dizer aos meus pais que apesar de tudo eu os amo.
Comecei a chorar. Uma criança de 10 anos tem mais mentalidade e
mais noção da realidade do que o rapaz
de 22 com o qual eu desperdicei o meu tempo.
-Havemos de nos safar….
-Porque dizes isso?-perguntou ele olhando para mim novamente
-Porque nós merecemos uma vida feliz. E porque nós somos fortes.
-Não sei não… Eu tenho uma bronquite.
- Eu sou asmática. Mas isso não me vai impedir de fazer frente a
este vírus e de lutar pela minha vida.
-Deves ser daquelas que não morre facilmente- comentou a Matilde
-Eu concordo com ela. Este vírus não me vence tão facilmente. -
disse a Inês.
Em questão de 2 minutos todos estavam dispostos a dar luta ao
vírus….
CAPÍTULO 7
-Adeus Rodrigo… Tem cuidado agora… Toma conta de ti…
A Inês e o Rodrigo duas semanas depois da nossa promessa estavam
recuperados. A Matilde infelizmente morreu devido a uma paragem
cardiorespiratória.
Só faltava eu recuperar também. Ou morrer. Mas pensar positivo
foi algo a que me habituei.
Claro que agora nas camas deles, depois de desinfetadas e bem
desinfetadas, estavam lá novas pessoas. Mas estas pessoas nem sequer falavam.
Eram mal-educadas, frias e pensavam que mandavam ali.
O que vale é que o Doutor David tem muita paciência com os seus
pacientes pelo que eu já me apercebi.
Já lhe perguntei se ele sabe como é que as coisas lá em casa com
o Rafael vão. Mas ele diz que não sabe e tal. Eu posso ser um bocado lenta a
perceber algumas coisas, mas já cá estou há tanto tempo que já percebi que cada
vez que eu falo no Rafael ele fica com ciúmes.
Se ele pensa que eu gosto do Rafael então ele está muito
enganado. Na verdade, não posso negar que tenho um fraquinho pelo meu médico.
Não por ele ser lindo de morrer, mas por ser um anjo de pessoa. É tão querido e
faz tanto pelas pessoas.
Quando isto tudo acabar e eu sair daqui vou viver cada segundo da
minha vida ao máximo sem medos ou receios. Vou deixar-me levar na onda do dia a
dia.
Quem sabe tente a minha sorte com coisas novas. Algo que me tire
da rotina. Esta aqui do hospital é que já me faz confusão.
Disseram-me que hoje eu ia ter uma surpresa. Da outra vez foi uma
gelatina que eu nem sequer gosto. Espero que desta vez seja alguma coisa de
jeito. Nem que seja ao menos comida de que eu goste de preferência.
Mas de qualquer das maneiras estou tão exausta que nem consigo me
sentir entusiasmada. Para além disso
estou cheia de dores pelo corpo todo e está difícil de respirar.
Senti-me aflita. Virei-me para carregar no botão azul. Mas tive
de me inclinar demasiado e caí no chão. Agarrei-me à cabeça. Senti o meu corpo
a necessitar de ar. Estiquei o braço, mas não chegava ao maldito botão.
Arrastei-me pelo chão para mais próximo da máquina e voltei a
esticar o braço. Quando estava quase a chegar lá, senti uma dor aguda na
barriga. Olhei para lá e vi sangue. Tinha espetada a agulha que devia estar no
meu braço a dar-me soro.
“Não desistas” pensei. Retirei-a e soltei um grito de dor.
Agarrei-me à cama e tentei levantar-me de maneira a que me deixasse mesmo em
frente ao maldito botão. Como já não tinha forças suficientes para levantar o
braço, carreguei no botão com o nariz.
Mas não deu em nada. Segui os cabos com os olhos e vi que estavam
desligados da tomada. Quando caí da cama devo ter arrastado os cabos comigo e
tê-los desligado sem querer.
Deixei-me cair no chão e fiquei a observar o teto. Com o pouco ar
que me sobrava tentei gritar.
-AJUDA! AJUDA!POR FAVOR AJUDEM-ME!
Deixei o meu corpo ir abaixo. Juntei energias. No meu último
suspiro e gritei o mais alto que podia.
-DAVID!...
Quando estava a perder a consciência, senti uma corrente de ar de
repente nos meus pulmões.
Alguém me pegou ao colo e voltou a colocar-me na cama. Depois
tratou-me da ferida da barriga e pôs a agulha no seu devido lugar.
Antes de deixar o meu corpo descansar por causa daquela luta
toda, disse-lhe:
-Obrigada….
…
Acordei e senti o meu corpo como novo. Era quase como se sentisse
o ar a atravessar cada célula do meu corpo. Vi a cara do David a olhar para mim.
-Pelos vistos até deu jeito ter gritado em vez de usar o botão
azul. Ahahahah
-Pois, mas por favor da próxima vez usa logo o botão. Se eu não tivesse aparecido e se não tivesse ouvido o
teu grito nem quero imaginar onde estarias agora.
-Ah não te preocupes com isso. Eu não me deixava ir embora sem
primeiro te chatear nem que fosse só um bocadinho….
-Que engraçadinha. Mas
ninguém aqui reparou que estavas aflita?
-Neste quarto mais parece não existir ninguém. E para aturar mal-
educados antes de morrer preferia tentar sozinha. Tal como fiz. Só não morri.
-Pois é e ainda bem. Senão, a tua mãe matava-me.
-Ela não mata ninguém. Nem as moscas quanto mais uma pessoa.
-Não sei não. No outro dia ela veio cá e tu estavas a dormir.
Disseste o meu nome. Ela veio logo ter comigo a dizer que se eu magoasse a “sua
bebê” que a minha vida tinha acabado.
-A tua vida não. Mas o teu sossego talvez sim.
-Agradeço pela sinceridade. Mas porque raio disseste tu o meu
nome a dormir?
-Não sei. Nem sequer sei com o que é que estava a sonhar.
-Ok…. Olha agora tenho de ir. Há outros pacientes que precisam de
mim e eu não quero ser processado por dar mais atenção a uns que a outros.
-Não hei de ser eu a fazê-lo de certeza.
-Pois eu sei que sim….
Ele saiu do quarto e foi fazer o seu trabalho. EU disse o nome
DELE a sonhar. E a minha mãe ouviu. Ao menos foi a minha mãe. Se fosse ele eu
nem sequer sei muito bem o que faria.
Provavelmente corava e paralisava de vergonha ou então desatava a
dizer-lhe que deve ter sido impressão dele e que eu não teria razões nenhumas
para fazer isso.
Preciso de alguém para falar sobre isto…Será que posso usar o meu
telemóvel?
…
“-Marta?
-Sara. Meu Deus há quanto tempo.
Como é que estás?
-Dentro dos possíveis.
-E então quando é que te pões boa?
-Infelizmente não sei. Isto não é
assim tão fácil.
-Eu só posso imaginar.
-E eu espero que fiques por aí.
-Podes crer amiga. Não vou sair de
casa para nada.
-Ahahaha.
-Não sei qual é a graça Sarinha.
Sinceramente, estou capaz de matar aquele Rafael.
-Não te preocupes. Ele há-de
morrer de hipotermia por causa do gelo que a sua alma é.
-Não duvido. E então novidades
tens?
-Para além de um médico de sonho a
tratar de mim? Acho que não podia desejar
mais nada.
-A sério! Conta lá isso…
-Ele é um amor….
-E tu gostas dele?
- Não sei. Mas acho que ele gosta
de mim.
-Então aproveita, amiga. Tu
mereces isso.
-Mereço, não mereço?!
-Claro que sim, amiga. Faz-te a
ele. Aposto que até no hospital continuas a
ser capaz de ser sensual.
-Meu deus, Marta, eu estou doente.
-Claro, claro. Primeiro põe-te
boa. Mas depois já sabes.
-Sem falta.. Ahahah
-Então adeus, Sara. Vou ter
saudades tuas.
-Ainda nem desligamos e eu já
tenho ahahah.
-Não tornes isto mais difícil,
amiga.
-Adeus, Marta.
-Adeus, Sara.”
Desatei a chorar. Deixei o telemóvel debaixo da almofada tal como
a minha mãe disse para fazer. Estava mesmo a precisar de falar com ela. Isto
aqui é muito depressivo.
Ouvir os passos apressados dos enfermeiros e dos médicos, as
pessoas a chorar e a gritar, as saudades, o isolamento já para não falar das
paredes brancas que apesar de transmitirem paz ao início depois começam a
mostrar o vazio dentro de nós.
O pior deve ser as pessoas que sustentam a família e que depois
têm de ficar internadas. O dinheiro também tem faltado com toda a gente em
casa. A economia do país está cada vez pior.
Mas o governo diz que as coisas vão melhorar. Espero bem que sim.
Estou cansada de estar aqui fechada. Ainda se eu pudesse estar em casa. Assim
eu ainda aguentava.
Aqui estou perto da minha mãe e do David. Está bem que eu conheço o David há pouco
tempo, mas sinto-me muito segura com ele. Mas não é a mesma coisa. Porque é que
isto não pode simplesmente acabar?
QUERO ACORDAR DESTE MALDITO PESADELO!!!
Mas não importa quantas vezes eu o diga ou deseje. Quantas vezes
eu o grite ou sussurre.
Quero paz e sossego. Vou fazer a única coisa que se faz de jeito
aqui neste sítio. Dormir…
…
Acordei com uma data de vozes. Abri os olhos e vi a minha mãe e o
David a agarrar num bolo de bolacha. Tinha umas velas com os números 23.
Começaram a cantar a música dos parabéns.
Comecei a rir e a chorar ao mesmo tempo. Eu estava ali há tanto
tempo que tinha perdido a noção do tempo. Estava tão ocupada a pensar noutras
coisas que me tinha esquecido do meu aniversário.
Do meu próprio aniversário… O ponto a que isto leva as pessoas a
chegar.
Comi com vontade e depois eles arrumaram aquilo tudo. Antes de se
ir embora, a minha mãe vem ter comigo.
-Então filha, sentes-te bem? Pelo menos melhor?
-Nem por isso. Acho que estou na mesma.
-Tem calma, filha.
-Eu tenho, mãe.
-Vais te curar vais ver.
Depois ela foi-se embora. “Só
acredito quando existir uma vacina”, pensei eu. A ciência leva tempo. Só
que as pessoas não têm muito.
Eu sentia-me perfeitamente.
…
O dia passou rápido. Foi bom. Não foi o melhor dia até hoje, mas
foi melhor que os últimos que passaram.
Eu já nem sei o que pensar ou o que dizer.
O dia foi cansativo. O melhor que eu tenho a fazer é dormir. Mas
vou-me destapar que estou cheia de calor.
Acho que os lençóis do hospital são quentes. Pelo menos hoje
parece que sim…
CAPÍTULO 8
As vozes da minha mãe e do David ecoavam pela minha cabeça e
provocavam-me dores de cabeça, mas não conseguia perceber o que eles diziam.
Algumas partes de frases eu percebia. Mas nem sequer me estava a esforçar para
isso.
As luzes do teto fazem-me querer fechar os olhos, mas eu luto
para os manter abertos.
“Ela pode estar a ter ilusões”
“Temos que chegar depressa aos cuidados intensivos e ligá-la ao ventilador” “A
febre dela está muito alta, precisamos de lhe baixar a febre” “Eu sei, mas acho
que devíamos primeiro de levá-la até lá e depois sim baixar-lhe a febre.”
“Talvez isso fosse o melhor mas ela é minha filha e eu nem sei se o corpo dela
aguenta com a febre” “Mas eu sou o seu médico e visto que a doente é asmática
precisa de ser urgentemente ligada ao ventilador. Se tem problemas de ar não convém que ganhe
mais porque a mãe dela não está a pensar racionalmente.”
-Parem de discutir e despachem-se - disse eu
Ao longe, conseguia ouvir gemidos de dor de uma mulher. Só algum
tempo depois é que eu me apercebi de que essa mulher era eu. Era eu que estava
num estado lastimável.
O vírus estava a consumir lentamente o meu corpo. Estava a
deixar-me cada vez mais fraca. Cada vez mais cansada. A pouco e pouco ele
estava a deitar-me abaixo.
Mas isso não podia acontecer. Não pode. E eu não vou deixar que
aconteça.
Chegámos a uma sala fria. Ou eu é que estava muito quente.
Deitaram-me na cama e ligaram-me ao ventilador. Senti-me um bocado melhor, mas
não era o suficiente para me aliviar a dor nos pulmões.
Depois deram-me um comprimido qualquer, mas eu não o conseguia
engolir por isso tiveram de o pôr no soro.
“A febre já está a baixar Doutor
David” “Ok. Quero que lhe dêem aquilo que ela precisar.” “Sim Doutor” “Desculpa
ter gritado contigo. Eu sei que ela é tua filha, mas é tão importante para ti como para mim. Era-me
impossível dar-lhe logo o comprimido para a febre se ela não conseguisse
respirar” “Não te preocupes. Eu não fiquei chateada. Tinhas razão, eu não
estava a ser racional. Devia confiar mais em ti. Ela está em boas mãos contigo”
Eu sei que não tinha força nenhuma para fazer nada e que agora
precisava de descansar já que o meu corpo ficou inconsciente e a minha mente
também e que ficou cansado enquanto combatia o vírus para evitar que a coisa
ficasse pior.
Ainda assim esforcei-me para dizer
aquilo. Ela precisava de ouvir-me a dizer aquilo.
-Mãe?
-Sim filha?
-Amo-te- tentei dizer com mais energia e
vivacidade.
Depois foi deixar o meu corpo ir
abaixo…
…
Acordei com a luz da janela a bater
na minha cara. Se no quarto anterior tinha alguma companhia, agora não tenho
mesmo nenhuma. As cortinas estavam todas abertas e tinha o tabuleiro com o
almoço perto de mim. O suficiente para não acontecer outro acidente.
Se o almoço estava ali e já estava
frio eu nem quero imaginar que horas serão. Tentei comer, por muito pouco que
me apetecesse. Mas prometi a muita gente que faria de tudo para combater o
vírus e sem me alimentar é que eu não vou lá de certeza.
O branco do teto e das paredes já me
enerva e me estressa. Não valia de nada tentar dormir porque dormi tanto que
nem tinha sono nenhum. Tentei arranjar alguma coisa para fazer.
As dores no corpo são muitas e nem
falo das de cabeça. Fiz um esforço para me sentar por estar farta de estar
deitada.
Entretanto entrou uma enfermeira “de plástico” no quarto e levou
o tabuleiro.
-Precisa de alguma coisa, menina?
-Onde é que eu estou?
-Nos cuidados intensivos. Você devia se deitar. E devia estar
quieta. Estar a gastar as suas energias para se mexer é desnecessário.
-Não se preocupe comigo. Sou mais teimosa que este vírus e não me
vai levar tão facilmente.
-O Doutor David bem me tinha dito que a menina era inteligente e
forte. Mas é melhor se deitar. Já vi muita gente aqui que foi desta para melhor
por serem teimosos.
-O Doutor falou sobre mim?
-Falou? Está sempre a falar… Até parece que não existe mais
nenhuma mulher na vida dele. Mas agora tenho de ir. E não lhe diga que eu lhe
disse isso.
-Não se preocupe. Pode ficar descansada com isso.
Nunca pensei fazer parte de fofocas. Com que então ele fala de
mim. Oh. Pode falar só por causa de eu ser filha de uma amiga e colega de
trabalho sua.
Quando estava muito bem a pensar nas possibilidades de sair dali
vivinha da silva e de tentar a sorte com ele começou-me a doer os pulmões e
comecei a tossir de tal maneira que nem conseguia parar para recuperar o
fôlego.
“Bosta” pensei. Como estive inconsciente e
depois a dormir não sei o que fazer ou onde carregar para chamar ajuda. Tentei
procurar um botão azul mas nada. Encontrei um botão que tinha lá pendurado um
papel a dizer AQUI.
Não sei se aquilo era para mim, mas carreguei lá à mesma. Um
minuto depois estavam dentro daquele quarto duas enfermeiras e o David.
Conseguiram acalmar-me a tosse e ajudar-me a recuperar o ar.
Quando já estava mais calma e mais estável o David disse-me:
-Não posso ficar aqui. Tenho outros pacientes e é perigoso eu
permanecer aqui muito tempo. Por favor faz aquilo que as enfermeiras te
pedirem. Seria horrível para o mundo perder alguém tão corajoso e incentivador
como tu.
-Prometo.
-Cuida de ti. Esquece os outros por um bocado agora e pensa em
ti, Sara. Faz isso não por ti, mas por todos aqueles que te adoram e que te
amam.
Ele piscou-me o olho e saiu. A enfermeira ajudou-me a voltar a
deitar-me e depois de me trazer água saiu do quarto também. Mais uma promessa.
Não sei se as consigo cumprir porque desta vez vou ser sincera.
Estou cansada de lutar. Tenho o corpo todo dorido e exausto. A
minha mente já não aguenta. Os batimentos do coração já estão fracos e os
pulmões já nem se conseguem encher completamente.
Só de respirar já me dá dores. Estou a tentar ser forte porque
não quero estragar as esperanças daqueles que esperam que eu fique bem. Mas já
não consigo muito.
Estou a dar o meu melhor. Mas às vezes meto-me a pensar. E se o
meu melhor não for suficiente. Este vírus já levou milhares de pessoas e de
certeza que algumas eram mais fortes do que eu.
Também tinham família em casa à espera que eles regressassem e
isso não aconteceu. Porque há de ser diferente comigo? Não sou especial. Não
sou nem melhor nem pior que eles.
Eu não consigo lutar mais. Não é por não querer tentar. Também
não é por me apetecer desistir. É por não conseguir. Por não me sentir mais
capaz disso.
O vírus já consumiu o meu corpo. Já o dominou. Já o controlou.
Agora é só levar-me para o outro lado pouco a pouco. E sinto que já não falta
muito para isso acontecer.
A única coisa que eu tenho pena é de não conseguir despedir-me
daqueles que me são próximos e queridos como deve ser.
Se tenho medo da morte? Da partida para o outro lado? De ir para
o Inferno ou para o Paraíso? Não, não tenho medo. A única coisa que me assusta
é de partir a saber que não fiz nada para me manter viva.
Mas eu fiz. Eu estou a fazer. E mesmo que não seja suficiente ao
menos eu sei que tentei. Mas ainda é cedo para desistir. Ou será que já não é?
Preciso do meu pai. Preciso da minha mãe. Mas o que eu mais
preciso é da minha vida de volta.
Quero que tudo volte ao normal. Mas não vai ser assim tão fácil.
Ainda não existe nenhuma vacina e não me parece que ela vá chegar assim tão
fácil.
As pessoas estão a entrar em pânico. Elas nem imaginam o que é
estar no hospital. A angústia que isto é. E os barulhos, gritos e vozes dos
lados de fora dos quartos também não ajudam muito.
A quantidade de médicos e enfermeiros infetados também já é
bastante elevado. Isto está cada vez pior e nada está a impedir este vírus de
progredir. Ele já sofreu inúmeras mutações e isso também está a dificultar a
criação e a descoberta da vacina.
Mas depois há aquelas pessoas que levam isto a brincar e que não
se importam com as regras impostas. Depois quando acontece queixam-se e dizem
que não sabem porque é que lhes aconteceu.
Nem preciso de ir muito longe, temos o exemplo do Rafael. Só que
ele não está fechado num quarto de hospital, nos cuidados intensivos e quase a
morrer!
…
Estou cada vez mais farta e cada vez mais fraca. As enfermeiras
bem podem negá-lo e bem podem tentar enganar-me, mas eu sei que é verdade. Mal
consigo abrir os olhos e custa-me imenso comer.
Passo o dia a chorar, quando estou aqui sozinha. Não posso deixar
o David e as enfermeiras verem-me a desistir da vida.
No quarto ao lado do meu está uma recém-mãe infetada que está
muito mal. Ela deu à luz ontem o bebé. Pelo que eu consegui perceber acho que é
um menino. A mulherzinha deu o nome do pai da criança ao menino, que já lhe foi
arrancado das mãos pelo vírus.
E eu que pensava que a minha história era muito má. Isto é tão
depressivo que sinto que, se sair daqui viva, vou para um psicólogo.
Não tenho muito mais novidades para dar, não sei as atualizações
dos números, nada, mesmo nada. Nem em que dia vamos eu sei.
Já perdi a noção do tempo, dos dias, das horas. Até tenho os
sonos todos trocados. Durmo de manhã e depois passo a noite toda acordada.
E nem de noite o barulho acaba. Continua tudo em movimento e a
gritar para aqui e para ali. Que falta isto, que o paciente tal precisa
daquilo. O pior é ouvir os enfermeiros a dizer que o COVID-19 levou mais uma
pessoa consigo.
As pessoas estão todas a dar em malucas com isto tudo. É filho
que mata mãe, pai que mata filha, divórcios, presos por infração às regras,
pessoas que são presas por assaltar lojas para roubar comida e bens essenciais.
Anda tudo maluco. Imagino o trabalho que o meu pai não tem tido.
Espero que os meus pais se continuem a dar bem. E a Marta. Como é que será que
ela está? E os pais dela?
É incrível como as coisas mudaram de um dia para o outro. Como a
vida deu mais uma reviravolta quando toda a gente pensou ser impossível. Uma
coisa tão pequena e tão poderosa e destrutiva. Mais parece uma hipérbole. Oxalá
que fosse.
A minha mãe prometeu-me, através do David, que vinha cá hoje à
tarde 5 minutos para me ver. Disse que tinha uma coisa para mim.
Não sei o que é, mas já estou curiosa. Há muito tempo que não
vejo uma cara amiga e acho que a visita da minha mãe me vai fazer bem. Talvez
me ajude a levantar um pouco.
Não me vou dar por vencida por nada neste mundo, mesmo que ele se
esteja a destruir. Não o vou fazer por aqueles que me adoram e que estão em
casa à minha espera.
Vou fazê-lo por mim. Porque eu mereço. Porque já fiz muito pelos
outros e agora está na hora de fazer algo por mim. De lutar pela vida e de a
aproveitar à grande sem estar limitada pela opinião dos outros.
O primeiro passo deste meu novo “projeto” é curar-me e sair do
hospital. O meu segundo passo seria, pelo menos era, tentar as coisas com o
David.
Mas como eu suspeitava ele não se preocupava comigo por ser eu ou
por gostar de mim. Na verdade, era porque eu sou filha da sua amiga e mais
nada. Pois é.
O que é que eu posso fazer? Sou boa demais para qualquer rapaz
que existe à face da Terra. Da Terra e de qualquer outro planeta ou galáxia
onde haja vida.
É a minha vida que está em causa e ninguém se mete comigo ou com
a minha vida. Já chegou o Rafael. Não vou deixar que mais ninguém o faça. Ou
que ele o continue a fazer.
…
Como combinado a minha mãe apareceu à tarde. Não falamos muito,
mas ela deu-me um papel. Quando ela saiu eu abri-o e li o que estava lá
escrito. Não consegui evitar chorar...
Um papel com as assinaturas de toda a gente que eu mais adoro no
mundo com algumas frases incentivadoras.
Aquilo era lindo. Uma coisa tão pequena. Acho que já não preciso
de ligar a ninguém. Aquilo é a prova de que aquelas pessoas, embora poucas,
acreditavam em mim, e iam continuar a adorar-me mesmo que eu desistisse.
Que me apoiam seja qual for a circunstância…. Têm orgulho em mim. Naquilo que eu sou. Eu só
espero não os desiludir…..
CAPÍTULO 9
“Despachem-se, estamos a perder a
miúda.” gritava alguém.
“O ventilador não está a fazer
nada e não está a ajudar.”
“O batimento cardíaco está quase
nulo.”
“Quero o desfibrilador a 200”
“Sim, Doutor”
Tudo à minha volta estava desfocado. Via pessoas ao meu lado. Os
gritos ecoavam na minha cabeça. Olhei para o lado e vi a linha do meu batimento
cardíaco nulo.
“Começar a reanimar”
Eles encostaram aquilo ao meu peito, mas eu não senti nada. Eu
estava morta, mas continuava a pensar. E a vê-los.
10 minutos depois fui dada como
morta. Vi a cara da minha mãe a olhar para mim com a mesma cara que olhou para
o meu irmão. Tudo à minha volta começou a desvanecer-se. Vi o Rafael.
-O que é que
fazes aqui?
-Vim ver-te a
sofrer.
-O quê?!
-Ahahahahah
-Para de te rir.
-AHAHAHHAHAHAHAH
-PARA.
AHAHAHAHHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH
O seu riso começou a soar a um alarme. BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP
BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP
BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP BIP.
Acordei sobressaltada. O alarme estava a tocar para irmos para o
balneário tomar duche. Eu estava no meu quarto com a Marta na cama ao lado.
Ainda estávamos na escola.
Na noite anterior tinha prometido a
mim mesma que ia lutar pelo Rafael. Parece que vou quebrar essa promessa.
A Marta levantou-se e quando ia a
sair do quarto perguntou:
-Está tudo bem contigo, Sara?
-Sim…
-Olha eu vou andando para o balneário.
-Eu já vou …
-Ok.
Parece que não passou tudo de um sonho. E ainda bem. Mas agora
que o problema com o Rafael já estava resolvido há agora uma outra grande
questão que me assombra a mente.
E se um vírus como este realmente
invadisse o mundo?
Beatriz Morais, 10ºAno
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